As Imagens Marinhas


As Imagens Marinhas
           
            Na composição das geografias das águas marinhas e seus universos,  em tempos primitivos, aqueles eram lugares desertos, de resto, locais apartados dos atuais universos transversais das sociabilidades e, no antigamente, as praias era um lugar relegados aos dejetos da cidade.
         Com este entendimento e compondo uma arqueologia das imagens, até meados da década de 1950, a região que começa na Pajuçara e que se estende até a Jatiúca, era um lugar de sítios. Por ali, nas primeiras décadas do século passado, o que se viam eram moradas de pescadores em casas de pau-a-pique, lugar de pobres estivadores que ali residiam em virtude da proximidade da área portuária, estando no cais do porto uma das poucas possibilidades de emprego. Pescadores, estivadores, carroceiros e empregados do cais. Foram esses os primeiros moradores da praia da Pajuçara. Como se vê, o primitivo daquelas paragens era ser ali um local da pobreza e o sentimento estético suscitado por elas, até as primeiras décadas do século passado, era coisa de poucos. Exemplar deste olhar seletivo foi o deslumbramento de José Lins do Rego quando na escrita de Riacho Doce[1], através de Edna, a européia que se apaixona por um mestiço filho da terra, José Lins vai revelar o seu encantamento pela alagoanidade luminosidade das nossas águas marinhas escrevendo que ela, a estrageira:

  (...) Ficou tonta com tanta luz na sua frente. (...) o que ela viu foi tanta luz, a luz mais intensa, mais clara que seus olhos já tinham visto. Os coqueiros mexiam ao vento as suas palmas. O céu azul, e de longe o rumor surdo do mar, o mundo de encher as vistas. Não sabia o que era, a terra vinha chegando para ela, vinha-lhe dando qualquer coisa de infinito, de coisas das profundezas(Rego, 1991: 83). 



[1] A praia de Riacho Doce fica a aproximadamente uns oito quilômetros do centro de Maceió. Na década de 30 do século passado, durantes os anos em que residiu em Maceió, José Lins do Rego que ali residia, escreveu  Riacho Doce, romance que seria escrito sob o encantamento daquelas paragens.
            No entanto, esse olhar era o olhar do artista e naqueles tempos, o espaço das praias, enquanto um espaço de vivências, ainda demoraria algumas décadas até se transformar em um lugar consensualmente aprazível.


         É então no contexto de evocar cenas primitivas que devem ser entendidas a construção imagética do olhar situado de Mestre Zumba sobre as primitivas imagens das geografias marinhas, quando, através delas, o que se percebe, é apenas o de imagens de uma geografia quase que inumana, posto que, em apenas algumas delas é que aparecem os pescadores, no entendimento de serem eles os seus habitantes primitivos enquanto homens enraizados e filhos daquelas geografias.
         Bem entendido, é com esta compreensão que se expõe as imagens coloridas de ...sob um tom azul aonde se vêem aos arredores da azulação do mar, a vastidão dos coqueirais e pescadores em pesca de arrastão, mas, todavia, ao invés deles, pescadores, nas imagens de ...jangadas no mar, Coqueiral I , Coqueiral II e, Coqueiral III, não fosse a presença de um casebre (Coqueiral III), a natureza estaria ali quase que inumana em sua imaculada presença.
         No mesmo encaminhamento, também nas imagens do Gogo-da-Ema I e Gogo-da-Ema II – artefato que se transformaria em alegoria e  ícone arqueológico das geografias marinhas – as suas imagens também se oferecem nuas e despossuídas, como se elas, desnudadas pertencessem apenas a si mesmas, e o humano apenas vai  estar apenas se insinuado em  Vila de Pescadores através da presença de pequenos casebres de pau-a-pique.
         Poder-se-ia aqui indagar as razões de Zumba em desnudar de humano as suas imagens das geografias das águas, quando observamos que, ao retratar os tipos humanos e as culturas populares, os movimentos de seus quadros se impõem em um ritmo da vida mediante o qual, poder-se-ia pensar de seus personagens o querer de todos eles em carnavalizar o mundo. 
         Temos então que, diante do exposto poder-se-á perguntar: seria isto o que queria o querer de Zumba enquanto um querer das coisas alagoanas? Já antevia ele, já ali, de seu lugar de negro e enquanto tal, um negro periférico e posto nas margens, que somente a partir das alegrias das culturas negras e de seus tipos populares as Alagoas seriam outras enquanto um lugar composto de festas?

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